quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A homicida

Permanecia sentada. O tronco inclinava- se tortuosamente para frente. As mãos pairavam sobre as pernas, por falta dum lugar melhor para esconde-las. E o olhar impenetrável traduzia o intraduzível num misto de medo, receio e, porque não?, confusão. A sua volta o cômodo escuro e empoeirado, quase abandonado, era tomado por sombras provenientes dos poucos móveis ali restantes.
Permanecia estática. Os olhos evitavam olhar, mas estava ali, jazendo a meio metro, e disso ela bem sabia. O caixão, cuidadosamente escolhido, permanecia fechado e, sobre ele, uma única rosa solitária quebrava a monocromia da madeira. Ainda sentada, lutava contra aquela sensação estranha de não saber o que se passa. Estava morto, para sempre morto. Isso deveria doer! Doía... mas não só doía.
Aquele misto de sensações, quase enlouquecedor, ia pouco a pouco ganhando forma através de lembranças de um passado que nada mais era, senão passado. Fugia de perceber que ele logo seria substituído e que, verdade seja dita, talvez nem fizesse falta.
 Então que, não sem esforço, após aquela quase eternidade ali sentada, finalmente erguia-se para encarar o invólucro de madeira. Enquanto observava, as lágrimas, que até então contivera, insistiam em escorrer pela face avermelhada e percebia chorosa o peso daquele homicídio. Faltavam- lhe forças para enterrá-lo, mas já estava na hora.
Olhava para o caixão onde jazia morto seu maior e mais antigo sonho. Tive que mata-lo, pensava, era ele ou eu... Assim que, subitamente determinada, atravessava o cômodo e deixava a luz entrar: porque agora a porta estava fechada, mas a janela... a janela nunca estivera tão aberta.


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3 comentários:

  1. Me apaixonei por esse!
    E voce dizendo que se impressiona com a minha capacidade de dizer e não dizer coisas que escrevi ou deixei nas entrelinhas.
    Você sabe fazer isso muito melhor que eu.
    Que o falecido não deixe saudades, e que venham outros, e que morram outros, até que o certo apareça, não sem obstáculos, mas cheio do encaixe perfeito na sua vida, pro seu crescimento e pras suas realizações. Seja em qual campo for :)

    Amo você, person!

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  2. Seus textos têm vida..
    Eles têm a capacidade de prender a gente, de mexer com nosso espírito...
    Sou mais que sua fã.. já li todos seus textos aqui do blog.. mais esse minha amiga, na minha opinião está sendo o melhor! Tenho certeza que mais tarde vou voltar aqui pra ler ele de novo!

    Parabéns ;)

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  3. Matar algo que é parte de nós as vezes é essencial e urgente, porém nunca simples, rápido ou indolor.

    Eu sempre penso nisso, acho que vc já aprendeu, eu ainda preciso: aprender a deixar ir.

    lindo seu texto, como sempre!
    beijo

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