Permanecia sentada. O tronco inclinava- se tortuosamente para frente. As mãos pairavam sobre as pernas, por falta dum lugar melhor para esconde-las. E o olhar impenetrável traduzia o intraduzível num misto de medo, receio e, porque não?, confusão. A sua volta o cômodo escuro e empoeirado, quase abandonado, era tomado por sombras provenientes dos poucos móveis ali restantes.
Permanecia estática. Os olhos evitavam olhar, mas estava ali, jazendo a meio metro, e disso ela bem sabia. O caixão, cuidadosamente escolhido, permanecia fechado e, sobre ele, uma única rosa solitária quebrava a monocromia da madeira. Ainda sentada, lutava contra aquela sensação estranha de não saber o que se passa. Estava morto, para sempre morto. Isso deveria doer! Doía... mas não só doía.
Aquele misto de sensações, quase enlouquecedor, ia pouco a pouco ganhando forma através de lembranças de um passado que nada mais era, senão passado. Fugia de perceber que ele logo seria substituído e que, verdade seja dita, talvez nem fizesse falta.
Então que, não sem esforço, após aquela quase eternidade ali sentada, finalmente erguia-se para encarar o invólucro de madeira. Enquanto observava, as lágrimas, que até então contivera, insistiam em escorrer pela face avermelhada e percebia chorosa o peso daquele homicídio. Faltavam- lhe forças para enterrá-lo, mas já estava na hora.
Olhava para o caixão onde jazia morto seu maior e mais antigo sonho. Tive que mata-lo, pensava, era ele ou eu... Assim que, subitamente determinada, atravessava o cômodo e deixava a luz entrar: porque agora a porta estava fechada, mas a janela... a janela nunca estivera tão aberta.
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